terça-feira, 13 de setembro de 2011

Terça Feira: dezesseis horas, doze minutos



Seria apenas uma Galinha?

Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga. Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um ser. É verdade que não se pode­ria contar com ela para nada. Nem ela própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante outra tão igual como se fora a mesma.
Uma Galinha, Clarice Lispector 


Clarice Lispector relata a estória de uma galinha que escapa do quintal e foge pelos telhados ao ser escolhida para ser comida num almoço de domingo. O rapaz morador da casa a alcança levando-a de volta e colocando-a no chão da cozinha, momento em que ela de susto põe um ovo e se salva. A família reconhece neste ovo o motivo para a sobrevivência da galinha.

Ao longo do conto podemos perceber a existência de uma alegoria irônica, figura de linguagem que produz uma virtualização do significado, comparando a Galinha com a condição feminina ironicamente retratada na aflição da ave. Há expressões que se aplicam ao estereótipo feminino, lembrando que o conto teve sua primeira publicação em 1960, época a luta feminista alcançava sua maior percussão.

Na década de 60 as mulheres estavam conquistando seu espaço na sociedade, ainda reprimidas pelos homens donos do poder e da força e neste conto a autora  desmistifica a dependência da mulher ao homem, a galinha consegue sua liberdade e ao ser capturada se rende a alienação novamente e volta para ser a rainha da casa, doméstica e passiva.

Lembrando que a figura feminina de doméstica, submissa e passiva dissipou-se aos poucos. Com as batalhas feministas a mulher deixou de ser vista como a galinha, aquela que apenas por sua fertilidade era valorizada. A galinha retrata muito bem esse momento de claustrofobia feminina na sociedade. A fuga da galinha nos leva a pensar numa fuga interna pelos desejos de liberdade femininos como o trabalho, a valorização e o direito de escolha.

A sociedade atual ainda carrega as marcas da violência interna da mulher com o machismo. Atualmente a mulher pode ser vista como a provedora da casa. Ao mostrar as mil e uma facetas que possui na sociedade e dentro da própria casa, ela deixa aos poucos de ser vista como um almoço de domingo.

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