Orgulho e preconceito de Jane Austen. O que podemos dizer ao ler qualquer obra da autora? Que sentimos uma sensação gloriosa? Que as formas da escrita dela nos surpreende a cada leitura? Ou ficar perplexo pois acabou de ler uma obra majestosa?
ORGULHO E PRECONCEITO:
DO LIVRO AO CINEMA
ANÁLISE DO ROMANCE – ORGULHO E PRECONCEITO, DE JANE AUSTEN
Em relação à temática, há de
se destacar a visão da escritora acerca das relações humanas, especialmente as
questões familiares, e a importância do casamento na sociedade burguesa do
século XVIII, importância esta que continua atual, guardada as devidas
proporções, ainda nos dias de hoje.
O tema principal do livro é
introduzido logo no início da obra, quando a autora menciona que um homem
solteiro e de grande fortuna deve ser o desejo de uma esposa. A partir desta
idéia, Jane Austen convida o leitor a pensar sobre determinadas situações que
vão ser abordadas de forma bastante peculiar durante toda a narrativa: a
procura da esposa ideal pelo homem, a busca do pretendente com posses pela
mulher, o conflito entre o casamento como instituição, que traz consigo a
estabilidade financeira e a resposta à sociedade burguesa, onde a mulher é
preparada desde cedo para ser desposada, e em menor escala, nem por isso, menos
importante, a busca do casamento não como única saída para a mulher, mas a
busca do casamento por amor.
Apesar da simplicidade do
tema, a autora conduz a narrativa de forma irônica, cômica e provocativa,
traços peculiares em suas obras. A narrativa consegue ir além da descrição das
roupas, lugares, costumes e hábitos da época - apesar de tanto o livro como a
adaptação para o cinema contextualizarem esses elementos de forma bastante
marcante, dando ênfase à época em que a obra foi escrita.
O que talvez tenha
notabilizado a obra de Jane Austen, considerada a primeira romancista moderna
da literatura inglesa, tenha sido justamente o fato de fugir da narrativa que
se conhecia ou conhecemos até hoje, como romance “água com açúcar”, a partir do
momento em que a autora se propõe a analisar o caráter das personagens – já
expresso no próprio título da obra “Orgulho e Preconceito” – construindo,
inclusive, o perfil psicológico das personagens. Na obra de Jane Austen é
nítida a preocupação com a construção das personagens, de forma a elucidar as
qualidades, defeitos, desvios de caráter etc.
Nota-se, claramente que,
para a autora, mais importante do que descrever a roupa ou o local onde a ação
se desenrola – apesar da obra municiar o leitor desses elementos - está à
preocupação com a construção das personagens e de suas emoções. O narrador tem
importância crucial neste romance, pois, cabe a ele, introduzir para o leitor a
tensão das personagens, antes do diálogo travado entre elas.
Em muitos trechos do livro,
isto se torna bastante evidente:
Elizabeth estava tão arrebatada pelo que se
passou que deixava pouca atenção para o seu livro. A Srta. Bingley não ficou
inteiramente satisfeita com essa resposta como para continuar com o assunto.
Nesse perturbado estado mental, com pensamentos que não poderiam descansar
sobre nada; ela caminhava; mas não adiantava; em meio minuto a carta era aberta
novamente e, se recompondo da melhor maneira que podia, mais uma vez ela
começava a mortificante leitura... (Jane Austen. Orgulho e Preconceito)
Há de se destacar ainda que
a narrativa se apoia em figuras de linguagem, permeada de signos, significados
e significantes. Percebe-se, ainda, que, Jane Austen, até então com 21 anos de
idade, escreve sobre um universo que conhecia profundamente. Pode-se falar, que
em seus romances, especialmente em “Orgulho e Preconceito, objeto deste estudo,
da existência de uma “sombra autobiográfica”, dada a semelhança da obra com a
vida da autora.
Jane Austen nasceu em
Steventon, Hampshire, de uma família pertencente à burguesia agrária, e suas
experiências serviram de pano de fundo para todas as suas obras. Tal como a personagem
central de “Orgulho e Preconceito”, Elisabeth Bennet (Lizzie), Jane Austen
também tinha muitos irmãos, sendo a sétima filha do reverendo George Austen, o
pároco anglicano local, lembrando que a figura do clérigo também aparece como
personagem em seu romance, como pretendente à mão da personagem central
(Lizzie). Tal como no livro, Lizzie e sua irmã Jane, eram bastante ligadas; da
mesma forma que na vida real Jane Austen e sua irmã mais velha, Cassandra, eram
confidentes. O gosto por livros, especialmente romances, também é expresso na
narrativa de “Orgulho e Preconceito”, e também coincide com a ampla biblioteca
de seu pai na vida real. Segundo consta, o próprio título “Orgulho e
Preconceito” é uma fala da personagem Cecília, romance de Frances Burney, uma
das fontes de inspiração de Jane Austen.
Literatura na época georgiana
Jane Austen viveu na época da regência, porém sua
obra literária se caracteriza por descrever com mais precisão a sociedade rural
georgiana. A era georgiana é marcada pelas mudanças sociais no aspecto
político, com forte debate acerca da abolição da escravatura, reforma das
prisões e críticas à ausência de uma justiça social.
Na
literatura, esta época é marcada pelo ressurgimento do romance e pela discussão
se este era ou não um gênero literário e de qualidade. De acordo com Ian Watt,
no ensaio The Rise of the Novel, o renascimento do romance ou novela está
intimamente ligado ao florescimento da classe média, ou seja, um novo tipo de
leitor que propiciou um novo tipo de literatura.
Esta é uma época marcada também pelo surgimento da
escrita de autoria feminina, uma vez que, mais da metade dos autores daquela
época eram mulheres que, através da escrita, conseguiam certa independência
econômica.
Durante a época de Jane Austen não existia um sistema de educação
propriamente dito, e a educação das crianças era feita nas escolas dominicais,
através de tutores ou em “escolas para damas”. É uma época marcada pela
influência do Iluminismo – pensamento fundamentado na razão – onde a mulher não
desfrutava do privilégio da Educação.
A mulher devia ser educada para cumprir suas funções de esposa e mãe, e
obedecer a seu marido. A educação era centrada nos aspectos domésticos,
religião e habilidades (saber dançar, tocar piano, bordar), talentos estes, que
as tornariam desejáveis aos olhos masculinos.
"Acho incrível", diz Bingley,
"como todas as jovens têm tanta paciência para cultivar todos esses
talentos". (…) "Todas pintam, forram biombos e fazem bolsas. Não
conheci uma que não saiba fazer tudo isso, e estou seguro de que jamais me
falaram de uma jovem pela primeira vez sem referir-se a quão talentosa ela
era". (…) "Uma mulher deve ter um amplo conhecimento de música,
canto, desenho, dança, e línguas modernas para merecer essa palavra (talentosa);
e, aparte de tudo isso, deve haver algo em seu ar e em sua maneira de andar, no
tom de sua voz, em sua forma de relacionar-se com as pessoas, e em sua
expressão que, se não for assim, não merecerá completamente a palavra".
(Jane Austen. Orgulho e Preconceito)
Embora esses “talentos” estejam intrínsecos na obra literária de Jane
Austen, a autora faz questão de deixar claro que suas heroínas, a exemplo de
Elizabeth Bennet, desprezam e até ironizam essas “habilidades”, e priorizam a
leitura, a perspicácia e a inteligência como atrativos para o homem. Da mesma
forma em que a autora questiona o casamento enquanto instituição; mas, sim,
como concretização do amor entre o homem e a mulher.
Jane Austen retratou com extrema ironia os costumes
da sociedade de sua época. Desprezava a figura do tutor, e tal como em seus
romances, o modelo de pais exemplares como os seus, era suficiente para educar
e direcionar a boa conduta dos filhos.
"Não temos
tutor, fazemos tudo por nós mesmos" (comentário dirigido à Lady Catherine de Bourgh,
que reage surpresa).
Em outra passagem do livro, Elizabeth discute com
Mr Darcy, Mr e Miss Bingley, e Mrs Hurst sobre o que comumente era o protótipo
de dama ideal. Para a aristocracia, um bom modelo era o de uma mulher culta,
que sabia falar idiomas modernos, que entendia de música, e que ainda tivesse certo carisma e expressão
que a favorecessem. Frente a isso, Elizabeth põe em dúvida se existe uma mulher
capaz de ter todas essas qualidades ao mesmo tempo, ao que responde:
“Não duvido que conheçais apenas uma dezena; duvido que conheçais alguma”.
(Jane Austen. Orgulho e Preconceito)
Burguesia
e casamento
Do ponto de vista feminista, apesar das obras da
autora estarem frequentemente centradas em uma temática que subjugava a mulher
ao matrimônio e à esfera doméstica, é possível perceber ainda que de forma não
muito veemente, e até mesmo velada, o desejo de quebrar esses paradigmas e
romper convenções. Talvez o estilo irônico de escrever, tenha sido a estratégia
encontrada por Jane Austen para que suas obras fossem vistas além do simples
“romance de entretenimento”.
Jane Austen mudou o perfil do romance, em sua
época, abordando mais o lado psicológico das personagens, porém, sua obra
retrata com maestria todo o contexto de uma época.
A dominância da burguesia sobre as demais classes
sociais, visto que a personagem central Lizzie pertencia à burguesia rural de
classe média baixa, é colocada o tempo todo na narrativa, bem como a questão do
casamento.
A autora retrata a época a partir do cotidiano
doméstico, mas a narrativa é permeada de vários subtextos acontecendo ao mesmo
tempo. Temos a questão do casamento por conveniência; a mulher tinha que casar
até determinada idade para não se tornar um fardo para os pais; no caso da
família Bennet eram cinco filhas, era preciso que todas casassem para dar
segurança à família; o casamento com única forma de ascensão social à mulher ou
uma saída para uma vida medíocre e pobre; as regras do namoro no século XVIII,
onde a aproximação e o conhecimento entre o homem e a mulher se davam em uma
pista de dança, em um baile, ressaltando a importância de saber dançar; não era
permitido que um homem e uma mulher que não fossem casados se falassem a sós,
portanto o baile era uma importante oportunidade para o diálogo e o contato
físico; a reverência do homem à mulher, quando uma mulher entrava em um recinto
o homem tinha que levantar-se e fazer uma reverência à mulher; a valorização da
vida social intensa com visitas frequentes a parentes; e a preparação da mulher
desde muito cedo para o casamento; a questão do espólio.
Família Bennet e demais personagens
A família Bennet é o centro
da narrativa. A obra literária mostra uma típica família burguesa rural, de
sete pessoas: o casal Bennet e suas cinco filhas, com a grande preocupação da
matriarca em casá-las: era importante ter onde morar. E esta preocupação é
colocada logo no início da trama.
As duas irmãs mais velhas –
Jane e Lizzie – extremamente ligadas e cúmplices, mais maduras. A autora
retrata ainda a beleza da filha mais velha (Jane) e seu instinto maternal, pois
ajudou a criar as irmãs menores, em contraponto com a inteligência de
Elizabeth, que poderia não ser tão bela quanto Jane, mas tinha inteligência e
cultura acima da média, tanto o leitor quanto telespectador observam os
acontecimento sob o ponto de vista de Elizabeth. As irmãs menores – tolas e
imaturas – que só pensavam em baile, namorar rapazes e casar, em contraponto
com a irmã do meio, Mary, que pouco aparece, mas é considerada a mais franca
das irmãs e prefere instruir-se a se dedicar a costura. Além da figura do pai, o tradicional chefe de
família, culto e inteligente que parece não aprovar o comportamento da esposa e
das filhas mais jovens, tem um bom relacionamento com Elizabeth.
O casal central: Elizabeth
Bennet e Fitzwillian Darcy são os personagens principais do romance Orgulho e
Preconceito, da autora Jane Austen.
Fitzwillian Darcy é um
aristocrata de comportamento altivo e preocupado com as diferenças sociais
entre as classes. Darcy representa o orgulho na narrativa. Ele é exigente e um
pouco preconceituoso também.
Elizabeth Bennet era a
mulher atípica, tinha outros objetivos e não tinha a mesma concepção de
casamento que sua mãe. Elizabeth esperava amar, era uma mulher questionadora e
instigante, que acaba despertando o interesse do impassível, grosseiro,
arrogante e preconceituoso Darcy. A narrativa toma forma, a partir do ponto de
vista de Lizzie.
As personagens passam por
vários “pontos de virada” ao longo da narrativa e as questões “orgulho e
preconceito” se alternam entre as personagens principais. A autora acaba por
tratar estas questões, apesar do tom de crítica, de forma romântica, mostrando
que no final: o amor vence, tanto o orgulho como o preconceito.
A personagem Darcy deixa seu
orgulho de lado ao apaixonar-se por Elizabeth, passando por cima do preconceito
de classe social e não mais se importando com a família de hábitos
constrangedores e pouco ortodoxos de Elizabeth. Ele se apaixona pela
inteligência de Elizabeth e pelo fato dela não se curvar diante das
circunstâncias. Enquanto Elizabeth faz um pré-julgamento de Darcy, achando-o o
mais desprezível dos homens, antes mesmo de conhecê-lo. Mantém seu orgulho,
mesmo quando Darcy declara-se apaixonado por ela e quando vem à tona o verdadeiro
caráter da personagem. Ela também mantém seu preconceito contra a riqueza e
busca o amor na mesma classe social, talvez como repúdio aos valores de sua
mãe.
Os demais personagens são: Charles
Bingley, um jovem cavalheiro que aluga uma propriedade em Netherfield, perto de
Longbourn. Tem 22 anos, é bonito e generoso, porém, facilmente influenciável;
Caroline Bingley é irmã de Charles Bingley e tem inveja de Elizabeth Bennet, é
a antagonista do romance; George Wickham é um antigo conhecido de Darcy, de
infância, e um oficial que está alojado perto de Meryton. Faz amizade
rapidamente com Elizabeth Bennet, e comenta vários fatos sobre Darcy,
incentivando a impopularidade dele na sociedade local; posteriormente, os fatos
verdadeiros são revelados, mostrando ser Darcy quem tem razão;
William Collins é clérigo e primo de Mr. Bennet, que ao ser recusado por Lizzie
casa com Charlotte Lucas, amiga de Elizabeth, que aceita desposá-lo por
interesse social;
Lady Catherine de Bourgh é uma aristocrata dominadora, poderosa e orgulhosa,
que humilha os que a cercam, entre eles Mr. Collins, que faz todos os seus
desejos. Ela tenta intimidar Lizzie quando percebe o interesse de Darcy por
ela;
Mr Gardiner é irmão de Mrs Bennet, um homem de negócios sensível e cavalheiro,
que tenta ajudar Lydia quando ela foge com Wickham. Sua esposa tem bom
relacionamento e amizade com Elizabeth e Jane. Jane fica na casa deles quando
vai a Londres, e Elizabeth viaja com
eles para Derbyshire, quando reencontra
Darcy.
Versão para o cinema
A versão de Orgulho e
Preconceito (2005) para o cinema é bem fiel ao livro, sobretudo, no que diz
respeito aos diálogos. A linguagem cinematográfica trabalha com vários planos
de câmera e enquadramentos, de acordo com a dramaticidade da cena, o que ajuda
a aproximar o espectador da narrativa e das personagens.
O filme explora o grande
plano geral (GPG) ou plano mais aberto, a fim de passar ao espectador uma
referência geográfica (cena do baile, dos castelos, das caminhadas de Elizabeth
etc). O filme trabalha também com plano geral (PG) na mesma cena do baile, nas
conversas ao redor da mesa e com o close, este último, para expressar o
sentimento da personagem. É o chamado plano emotivo.
Trabalha-se muito com o
travelling, bem como os movimentos de aproximação e afastamento das cenas,
recurso utilizado com bastante freqüência ao longo de todo o filme. Pode-se
observar ainda, a presença da câmera subjetiva, que interage na cena para
mostrar a atitude da personagem.
Houve grande preocupação com
as locações, especialmente na escolha dos cinco castelos: Wilton House,
Basildon Park, Chatsworth House, Burghley e Groombridge Place.
Groombridge Place,
localizada em Kent, é uma mansão feudal do século XVII, com fosso e ponte
levadiça e foi escolhida para ser a casa da família Bennet. O formato e o
desenho da casa permaneceram os mesmos por 300 anos, o que permitiu filmar
através da janela, mostrando o movimento entre o interior e o exterior.
Chatsworth House, mansão de
Darcy, tem 150 aposentos, além de uma galeria de esculturas construída em um
prédio anexo, onde Elizabeth vê o busto de Darcy. É uma das maiores mansões do
país e data de 1690.
O filme ainda traz uma
fotografia impecável, um figurino riquíssimo, bem como uma trilha sonora
majestosa. A versão americana traz um
final mais romântico e meloso, terminando com o esperado beijo ao final;
enquanto a versão inglesa, não.
Bibliografia
AUSTEN, Jane; Orgulho e preconceito 1.ed. São Paulo:
LP&M, 2010.
WRIGHT, Joe;
(direção) (2005) Orgulho e preconceito [DVD] EUA, França e Inglaterra:
Twentieth Century Fox Film Corporation